“Quando te deitares, não temerás; deitar-te-ás, e o teu sono será suave. Não temas o pavor repentino, nem a arremetida dos perversos, quando vier.” Pv 3.24-25.
Merril Unger diz que: “Provérbios é o mais típico (livro) da antiga literatura sapiencial do Oriente Próximo. É uma biblioteca de instrução moral e espiritual para jovens” (1). Sobre ser uma biblioteca espiritual, Hopkins comenta que: “de modo geral, não devemos esperar conexão de frases em Provérbios. Os outros livros da bíblia são como uma rica mina, onde o precioso minério se encontra em um veio único e contínuo; mas esse é como um monte de pérolas que, embora não estejam reunidas num colar, nem por isso são menos excelentes e valiosas” (2). Sobre ser para os jovens, acrescenta Meyer: “O livro foi escrito para fornecer instruções aos jovens [...] A forma de dirigir-se é sempre de um pai falando ao seu filho” (3). Sobre ser uma biblioteca moral, escreveu-se: “O teor dos conteúdos (do livro) é didático e moralista” (4).
Por que não temer? 1 porque o andar seguro e cheio de vida está atrelado ao temor ao Senhor, princípio de sabedoria e bom juízo; 2 porque o perdoado pelo Senhor repousa em Seus braços em paz; 3 porque mesmo em meio a perseguições, sem temor, brilharemos a Sua luz em obediência.
Aplicação: Você e eu temos algo em comum com todas as pessoas que já viveram neste mundo: temos problemas e medos. Dentro de seu contexto histórico, geográfico, social, entre outros, todos viveram em épocas conturbadas. Receios de toda a sorte afligiram e afligem as pessoas. Se o pobre teme o desemprego e a fome, o rico teme o prejuízo e o furto. Se o incapaz teme o desprezo, o capaz teme perder a capacidade. O desconhecido teme o “passar em branco”, o viver esquecido, mas o famoso teme olvidarem sua fama, caindo no anonimato. Qual é o seu medo? Enfim, todos nós sempre tememos algo. A questão é: como nos comportamos diante dele? Fugindo ou estoicamente? Há algo que possamos fazer? Há algo que Deus faça nestas questões? As palavras do sábio, em Provérbios podem nos auxiliar. Devemos, no entanto, ter em mente duas coisas: Primeira, assim como toda a bíblia, Provérbios deve ser lido como uma coletânea, e que mesmo com seus vários pequenos temas e máximas, o livro deve ser lido e interpretado com coerência e contexto, e não abusado com uma leitura parcial, sem contexto e fora da “linha de argumento do discurso sapiencial” (5); Segundo, Provérbios não pode ser interpretado como uma “garantia Divina de sucesso”. Antes as conseqüências da vida (boas ou más) têm a “probabilidade de ocorrer”. Não há “sucesso automático”, antes uma correta hermenêutica diz que o livro serve para “lembrarmos de que há pouca coisa de automático nos eventos bons ou ruins que acontecem em nossa vida” (7). Por esse motivo, resolvi agrupar duas citações sobre o não temer. Isto posto, por que não temer?
Para andar seguro, com a alma cheia de vida duas coisas devem estar em nossas mentes: a verdadeira sabedoria e o bom siso (juízo). Provérbios labora sobre o pressuposto da responsabilidade humana, que, de forma alguma anula a Soberania Divina sobre nós e os acontecimentos. Muito menos apregoa um sistema meritatório. Antes nos dá uma ideia de livre-agência (liberdade de escolha, escrava da natureza do indivíduo que difere do improvável livre-arbítrio); visto que, mesmo diante do bom conselho, muitos não conseguem colocá-los em prática, mesmo querendo, devido a sua inclinação nata ao mal e ao erro. Esta consiste na linha de causa efeito prático, pois só se queima quem com fogo brinca. Sendo assim, o que seria a verdadeira sabedoria e o bom siso? A sabedoria é descrita em todo livro de Provérbios como sendo o temor ao Senhor (7). A Palavra diz que é feliz o homem que a encontra e que é um grande e delicioso tesouro (8). O bom juízo é o lucro da busca deste tesouro e da aplicação prática do ensino. É basicamente o juntar tesouro onde a traça não corrói (9), demonstração máxima de juízo, pois consiste em trocar o efêmero (prazeres passageiros) pelo eterno (obediência e anseio de viver com Aquele que nos deu vida eterna).
Quem teme ao Senhor, obedecendo-O, demonstra que entendeu que foi perdoado e tem nova vida. Aquele que sabe que é perdoado, não deve, por isso não teme as cobranças da vida. Ele sabe que a verdadeira vida está segura, nas mãos do Pai, e que se algo o incomodar e afligir, por maior que seja a dor, é por pouco tempo. O choro se desvanece ao amanhecer com o Senhor (10). Esta pessoa não teme a justiça, pois seguindo os preceitos de Provérbios, não há acusação pertinente contra ela, não havendo, portanto o que temer. Esta pessoa não teme a injustiça, pois sabe que o Senhor sempre está ao lado dos fracos. Ela não teme por sua própria vida, porque esta já foi perdida para encontrar a eterna. Ela, à noite, enfim, goza do sono suave (11).
Quem sabe que é perdoado e obedece ao Senhor, sabe também que será perseguido pelos perversos, sofrendo aflições (12). Lendo provérbios ela descobre que o perverso não dorme, querendo lhe fazer mal: “Não entres na vereda dos perversos, nem sigas pelo caminho dos maus. Evita-o; não passes por ele; desvia-te dele e passa de largo;
pois não dormem, se não fizerem mal, e foge deles o sono, se não fizerem tropeçar alguém; porque comem o pão da impiedade e bebem o vinho das violências” (13). Mas ela também sabe que a: “vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (14). Essa luz do justo depende desta (pessoa) saber que Jesus é a Luz do mundo e que Ele deseja brilhar nela e através dela para glória da Pai (15). Graças a Ele, nossa vida, esperança e segurança não dependem de nós, de nossa justiça ou merecimento; mas do Senhor. O texto diz no verso 26: “Porque o Senhor será a tua segurança e guardará os teus pés...”. Se podemos dizer que não tememos é porque nossa segurança está nas mãos dAquele que pode, promete e não mente. O seguir, o descansar e o ser guardado não nos é dado por mérito, mas por Aquele que É o Caminho (15). Mas o bom juízo, o bom testemunho, o ser luz e o não temer dependem de nós. Igualmente o bem estar físico e o espiritual. Brilhemos (luz do Senhor) sem temor até o Dia perfeito.
Referências:
(1) Manual Bíblico Unger – Merril F. Unger – Vida Nova, p. 234;
(2) Comentário Bíblico devocional do Velho Testamento – F B Meyer – Betânia, p. 334;
(3) Idem;
(4) Novo Comentário Bíblico São Jerônimo – AT, Raymond E Brown, Joseph A Fitzmyer e Roland E Murphy (editores) – Academia Cristã e Paulus, p. 895;
(5) Entendes o Que Lês – Douglas Stuart, Gordon D, Fee – Vida Nova. P. 197;
(6) Idem, p. 209-210;
(7) Provérbios 1.7;
(8) Provérbios 3.13-18;
(9) Mateus 6.19-20;
(10) Salmos 30.5;
(11) Provérbios 3.24;
(12) João 16.33;
(13) Provérbios 4.14-17;
(14) Provérbios 4.18;
(15) João 8.12 e Mateus 5.14;
(15) João 14.6.